PERSONAGENS
FOLCLÓRICOS DAS RUAS DE ITAJAÍ...
Na tentativa de
resgatar um pouco da “lenda das ruas”, relacionamos alguns do muitos personagens
que fizeram história pelas ruas de Itajaí, nas décadas de 70, 80 e 90. Quem não
lembra de, pelo menos, um deles ?
Faísca e Fumaça:
Dois velhinhos que moravam em um daqueles hoteizinhos estreitos que se
estendiam ao longo do Largo do Mercado. Andavam sempre juntos, um na frente,
outro mais atrás... Não sei se eram irmãos ou apenas o destino os juntara. O
mais velho, de cabelo completamente branco, curvado, magrinho, sempre de calça
branca e camisa vermelha. É assim que me lembro dele... O outro, mais novo, de
cabelo pintado cada semana de um cor, ora loiro, ora preto, ora castanho, vinha
sempre atrás... E assim, eles iam trilhando os mesmos caminhos daquelas pessoas
que se eternizam pela passagem. Todos os dias eles vinham, todos os dias eles
iam, fôsse de manhã, fôsse de tarde. E quando a tarde se ia para noite, eles
também iam, em direção ao Mercado, um atrás, outro na frente... Quando
desapareceram, desapareceram os dois, para nunca mais trilhar os mesmos
caminhos, dobrar as mesmas esquinas e preencher os mesmos espaços. (Década de
80)
Bola Sete:
Bola Sete, uma preta gorda, vivia sentada pelas calçadas, com a cabeça raspada
e cheia de farinha de trigo. Há quem diga que era irmã do Nego Dico. Se era
mesmo, não sei... (Década de 80)
Miss Brasil
2000: Quem não lembra da Miss Brasil 2000, um mendiga,
negra, magrinha, que ficava em frente ao antigo Supermercado Riachuelo,
desfilando, equilibrando uma maça na cabeça e se achando a rainha das tardes de
sábado ? (Década de 80)
João Bobão: João Bobão, ainda, segundo o povo,
carrega o fardo de um passado cruel, que lhe roubou o juízo e a razão.
Trilhando incansavelmente as ruas da cidade, ele vai e volta sempre pelos
mesmos caminhos... Moreno, alto, magro, curvado, com um olhar inexpressivo e
com o dedo na boca, ele vai, fazendo história no presente e na memória. Tomava
água da sarjeta e arrecadava volantes de loteria, aos montes, para depois
soltar, mais tarde, em outro lugar. Antigamente, corria atrás da mulherada;
depois, simplesmente passava, em meio ao povo, indiferente. (Década de 80-90).
Dizem que ficou doido porque viu matarem o irmão. Não sei se isso é lenda ou
verdade. Sumiu das ruas...
Dona Natalina: Ninguém sabe de onde ela veio.Logo depois
da grande enchente de 83, enquanto a cidade ainda sacudia a lama das
casas, das ruas e da vida, ela surgiu. Até parece que veio com as águas... A
Pracinha da Matriz era sua morada. E quando ela estendia as roupas por sobre os
arbustos baixos e robustos que faziam o jardim, despertava olhares que se
calavam na curiosidade de conhecê-la. Quem
seria aquela mulher ? Magra, alta, de pele escura e cabelos grisalhos, que num
sussurro de revolta, saía xingando a quem se atrevesse a olhar demais. Uns
diziam que ela veio da Bahia, outros, não sabiam e se limitavam a imaginar.
Diziam que simplesmente, apareceu. E assim como chegava, sumia, para pouco
tempo depois, retornar às ruas que sempre a acolheram, fazendo fogueira nos
terrenos baldios e lavando roupas nas torneiras de jardim. Era assim que vivia Dona Natalina, pelas ruas
do centro de Itajaí. E a história da Velha Natalina, se é que esse é seu
verdadeiro nome, se enraízou no coração
da cidade e na memória de todos aqueles que a conheceram ali, dona dos espaços,
sem paredes nem telhados. Não podia ver um carro branco, que saía xingando, com
um pau na mão. Dizem que um carro branco teria matado seu marido... Sei lá !
Coisas que o povo conta, coisas que o povo diz... Passou pro “andar de cima” no
final dos anos 90.
My Friend: “My
Friend”, um velho baixinho, magrinho e franzino que, pelos idos de 1982, transitava
pela Hercílio Luz, bebendo nos bares e discursando pelas esquinas. Assim que
batiam seis horas no relógio da Matriz, ele começava a falar inglês até as seis
horas do dia seguinte. Ex-combatente, segundo o povo, sofria de neurose da
guerra. Vivia sempre pelos bares e lanchonetes da cidade, em especial, na lanchonete da rua Hercílio
Luz, entre o Unibanco e as Casas Pernambucanas e próximo à UNIVALI, no famoso
bar do Tulipa, na década de 80.
As Marcianas: Quem
não conheceu as duas mendigas, negras, que perambulam pelas ruas da cidade,
cheias de roupas e sacolas ? Consideradas o terror dos carteiros, viviam
entupindo as caixas coletoras com envelopes abarrotados de selos velhos:
segundo elas, eram cartas para o Governador. Uns dizem que eram irmãs; outros,
mãe e filha. O que se sabe é que tinham casa, mas preferiam as ruas como
morada. Geralmente, dormiam nas marquises do antigo Cine Coral e Scala, na rua
XV de Novembro. A mais velha das Marcianas morreu por volta do ano
2001/2002. A outra, continua perambulando por aí...
Aerolin: Um
dos loucos do final do século XX. Andava espalhando “merda” pelas paredes e
vitrines da cidade. Uma de suas últimas “vítimas” foi a Banca do Zelo, em
frente à Igreja Matriz, lá pelos idos de 1999. Quando perguntavam porque ele
fazia aquilo, dizia que “foi o Coronel que mandou...” Morreu vítima de bala perdida, enquanto dormia em
frente às Casas da Água; durante um tiroteio, na Avenida Sete de Setembro.
Jurema: Personagem
folclórica dos arredores do Parque Dom Bosco. Não há quem não conheça a Jurema,
baixinha, sem dentes, mas sempre sorrindo, pelas calçadas da Rua Brusque.
Titi do
Amendoim: Outro personagem folclórico, do Bairro do Dom
Bosco. Titi do amendoim, deficiente físico, andava todo torto vendendo amendoim
pelas ruas da cidade, principalmente, nos jogos do Marcílio e nos eventos do
Parque Dom Bosco, lá pelos idos anos 90.
Sorriso: Também
conhecido como Risadinha, vivia catando papelão e arreganhando os dentes
pelas ruas da cidade. Alguém não conhece o
Sorriso ? Não sei por onde anda, mas com certeza, deve continuar dando
risada por aí. Parece que já mudou de Plano também.
Margareth: Personagem
folclórica do centro da cidade. Não há quem não conheça a esquina da Rua
Brusque com a Praça da Matriz, onde tem uma “ mulher que canta na janela”. É
ponto de referência para qualquer comércio. Até o Bar já ficou famoso... O que
pouca gente sabe é que essa mulher canta, esperando pelo “noivo que vai chegar
no navio”. E esse navio que não vem, e esse noivo que não chega... E enquanto
ele não vem, ela continua cantando. Há um tempo atrás, convidou a vizinhança
para uma grande festa, porque o navio ia chegar. Com pena, a vizinhança
participou da festa, regada a muita comida. Mas o noivo e o navio, outra vez, não apareceu. Margareth
foi para o “andar de cima”, no dia 06/02/2010; e ganhou uma reportagem no
Diarinho do Litoral, como sendo uma das personagens mais folclóricas e queridas
do centro da cidade:
"Os
dias não serão os mesmos pra muita gente que vive nos arredores da igreja
Matriz, ou passa diariamente pela esquina da rua Brusque com a João Bauer.
Margareth Pires Pereira, aquela tiazinha que vivia na janela de seu apartamento
em cima da lanchonete Garoto, faleceu no último sábado, aos 53 anos, vítima de
enfarte. Ela deixou dois irmãos e oito sobrinhos, e foi enterrada no cemitério
da Fazenda, onde já estavam seus pais e um irmão.
Margareth
era uma espécie de guardiã do coração da city. Ela literalmente via a
vida passar pela janela de seu apê e repetia o ritual diariamente. Com olhar
atento, passava boa parte do dia admirando a igreja Matriz e o vai-e-vem do
povão que passava por lá. Quando estava feliz, também se emperiquitava toda e
cantava músicas da sua juventude.
Margareth sonhava em casar e ter filhos, mas isso
não aconteceu. Em setembro de 2005, numa entrevista ao DIARINHO, a mulher da
janela revelou que não descartava fazer inseminação artificial pra ter um bebê,
mas não teve grana pra isso. O desejo dela era tão grande em ter um filho, que
manteve um quarto com mais de 20 bonecas e ainda vestidinhos, berço, carrinho,
lembrancinhas e enxoval completo pro seu tão sonhado bebê.
A peixeira
era paqueradora, mas ao contrário das outras moças da sua época, não
frequentava bailes. Ela preferia ficar na janela, à espera de seu príncipe
encantado. Margareth morou sozinha durante 20 anos, sempre no mesmo endereço, e
ficará na lembrança dos peixeiros que em algum momento passaram e avistaram ela
curtindo seu mundo, da janela do apê." (Diarinho do
Litoral, 09/02/2010)
No andar de
cima, com certeza, as janelas são maiores. Canta, Margareth !
Tonho da Cruz: Personagem
folclórico nas Festas de Corpus Christi, da década de 80. E lá vinha o Tonho,
pela rua Tijucas, a exemplo do Pagador de Promessas, carregando sua Cruz e sua
história de fotos e romarias. Foi candidato a Vereador nas últimas eleições,
(aquele vestido de Papai Noel !!!!) ...
Nego Dico:
Valdir Flormino Rafael, o Nêgo Dico, era uma das figuras mais conhecidas na
cidade e considerado o torcedor símbolo do Marcílio Dias. Quando não estava
torcendo pelo Marcílio, sofria pelo Flamengo. Irreverente, era figura
folclórica no Mercado Público. Foi destaque no Carnaval de 2004, quando o Bloco
Acadêmicos do Beco, homenageou o Marinheiro. No carro alegórico “Gigantão das
Avenidas”, lá vinha o Nego Dico, como torcedor símbolo que, às vezes, não só
xingava o juiz, mas assistia o jogo de costas, para não ver o péssimo
desempenho do seu time do coração. Morreu no dia 29 de junho de 2004, de câncer
no esôfago. Nas arquibancadas do Estádio do Marcílio e pelas ruas da
cidade, ficou a imagem do Nego Dico, o personagem mais folclórico de Itajaí...
"Olha o Nêgo Dico aí, gente !"
Buti: Primo e amigo “de copo de
de cruz”, o Nego Buti chora, até hoje, a morte do Nego Dico... Além dos “botecos” do Bairro
Fazenda, Buti perambula o dia inteiro pelas ruas da cidade. Freqüentador
assíduo da Praia do Atalaia e Cabeçudas, tem a risada mais folclórica da
cidade. Será que ainda existe alguém que nunca viu o Buti por aí ?
Ti Liga: Apareceu
no final dos anos 90, pelos arredores do Posto de Saúde, tocando violão para as
meninas. Morava em frente ao Mercado Público, onde extintores de incêndio,
caixas de som e outras bugigangas penduradas, faziam daquela a sacada mais
maluca da cidade. Engraxa sapato, no Centro, próximo ao Correio...
Mamão: Baixinho,
gordinho e de cabelo avermelhado, andava sempre de camisa estampada, pelos
arredores do Camelô, trocando relógio, comprando relógio, e falando sozinho,
como se estivesse sempre mastigando. Também morreu entre 2001 e 2002.
Mas não
precisamos remexer mais no passado, para lembrar de um Velho Candinho,
esmolando, na porta do Supermercado Riachuelo; um Armando, de pernas cruzadas,
balançando prá frente e prá trás mostrando um sorriso sem dentes, e batendo uma
garrafa plástica na calçada; o Julio César “Ceguinho da Discolândia”, que na
Hercílio Luz, em frente a antiga Discolândia do Beto, ainda canta e oferece
música para a moça bonita que acaba de
passar; o “suposto” filho de uma das “Maria do Cais”, todo “bixiguento”,
pedindo pão e moeda, na Praça da Matriz... Fora isso, alguém lembra da velha
louca, de lenço enrolado na cabeça raspada, enfiada em duas ou três saias, que vinha de Piçarras, para dar de dedo
nos manequins, das vitrines, no centro ?
Segundo ela, eles foram responsáveis pela morte de um parente seu...
O tempo não
conseguiu engolir da memória, esses personagens que, se já não são saudade,
ainda são folclóricos. Doentes mentais, andarilhos, esmoleiros, que ganharam
espaço nas ruas e na alma daqueles que sabem entender e aproveitar a essência de qualquer presença.
Criaram momentos e de algum jeito, assim como Judith, a Louca por Amor, dos
anos 40 ou 50, fizeram um pouco da história de Itajaí.
Texto: Kika Teixeira