Resgate Histórico

RESGATE HISTÓRICO 08:

REMINISCÊNCIAS... 
O MUNDO DE DONA CHIQUINHA...

Manuseando alguns jornais antigos, arquivados no meu acervo de memórias históricas de Itajaí, resgatei um texto interessante, da escritora Didymea Lazzaris de Oliveira, publicado em sua coluna semanal, na Folha do Povo - um semanário que circulou, em Itajaí,  no final dos anos 90.

Em seu espaço de Reminiscências, Didymea retrata o cotidiano de uma rua – a Rua Lauro Muller, de sua infância; em um resgate histórico rico em detalhes e informações. Na tentativa de reconstruir aquele cenário de outros tempos, revisitando a “Itajahy de Ontem” , transcrevemos o texto:

“DONA CHIQUINHA MELO”

Oh! Mundo, que já foste mundo
Oh! Mundo que já não és
Oh mundo que estás virado
Da cabeça para os pés

Isso cansei de ouvir, quando ainda era menina, de uma senhora muito velhinha que se chamava Chiquinha. Era a Dona Francisca Corrêa de Mello, mãe das grandes mestras do Grupo Escolar “Victor Meirelles”: dona Hilda Mello de Farias, mãe do jornalista Roberto; dona Maria Francisca de Mello Pereira, a dona Dica, como era conhecida; Dona Zoê, que ficou solteira, Diretora do Grupo Escolar “Lauro Muller”, que funcionava na Vila Operária. Dona Chiquinha era mãe também de Amélia, minha madrinha; de dona Fredesvinda Schnaider, conhecida por Sinhá e Corrucha Coelho. Esta não cheguei a conhecer. Falecera ao dar a luz a uma filha, a Conceição.

Morávamos na Rua Lauro Muller, uma das mais antigas da cidade. Ali, as casas eram espaçosas e, por isso, geralmente eram repartidas em duas residências.

Bem de frente para a nossa casa, ficava a Delegacia de Polícia onde, obrigatoriamente, os ônibus deveriam fazer parada para a inspeção dos passaportes. Com isso, a rua ficou mais movimentada e Dona Chiquinha, naquele tempo, já fazia o seu relax, caminhando na calçada, de uma extremidade à outra de nossa quadra, que começava com um terreno baldio, à esquerda, para quem vinha da Igreja da Imaculada Conceição. Logo em seguida, moravam os pais de Juventino Linhares, que dividiam a casa com um Oficial do Exército. Em seguida, morava Antônio Fóes. Numa casa muito grande, que fora de Alfredinho Moreira, morava de um lado, o Prof.Pedro Paulo Phillippi, o Inspetor Escolar; e, na outra parte, a viúva de Alfredinho, Dona Geny; que alugou uma sala para o senhor Antônio, o sapateiro.

Continuando, vinha a casa de Dr.Ivo Stein Ferreira, onde, atualmente, funciona a PROARTE. Nos fundos de um espaçoso terreno, com frente para a Rua do Mercado, onde em seguida, a prainha do rio, em duas casinhas brancas de alvenaria, moravam as irmãs: Ortissa, que era solteira; e Vermínia, que era mãe de uma professora, a Regina, que lecionava no Sertão dos Macacos, em Camboriú.  Elas eram negras e conviviam muitíssimo bem com os seus vizinhos daquela quadra. Uma dessas casas ainda existe. Os terrenos começavam na Rua Lauro Muller e tinham fundos na Rua do Mercado. 

Depois destas casinhas, novamente de frente para a Lauro Muller, vinha a casa da viúva Dona Chiquinha Mello; onde numa sala espaçosa funcionava o Cartório de Nilo Bacelar. Unida a essa casa, ficava a de Dona Santa Cabral Rothbarth; também uma viúva que tinha um pequeno comércio de secos e molhados. Naquela época, em tempos idos, funcionara o Correio. Unida a ela, vinha a de meu pai, Batista Lazzaris. Em nossa casa, havia morado o “Flores”, que era agente do Correio; por isso, as duas tinham uma porta de comunicação. A nossa casa também era dividida com o Senhor Osvaldo Opuscki, o guarda noturno. A quadra terminava com a casa de Urbano Vieira, onde Marcos Konder morara por muitos anos.

Atravessando a rua, agora pelo lado oposto, voltando-se para a Igrejinha; a quadra começava com um casarão dividido em duas residências: a do Comandante Orlando Pires e, ao lado, a do Senhor Osvaldo Melchiades. Em seguida, vinha a Delegacia de Polícia, onde também residia o Escrivão, Senhor José Bella Cruz Souza, pai de nossa conhecida radialista Irene Souza Boemer; e sua irmã Hilda Souza; que, a convite, foi secretária da Diretoria da Rádio e TV Bandeirantes, de São Paulo; onde também destacou-se como grande radialista.

Continuando, vinha a residência de Dona Ana Schnaider, uma parteira que muito bebês itajaienses ajudou a nascer. Um beco nos levava, lá nos fundos, à casa de Dona Liquinha, uma grande costureira; ao lado do beco morava a Dona margarida, a lavadeira dos ricos, que também lia as “cartas”; num belo pomar, morava o senhor Manoel Gaya Neto; ao lado estava a casa de Dona Maria Rocha, viúva do Comandante Rocha. Ela dividia sua casa com a viúva Catarinha Buchele Santos. Vinha, a seguir, o Dr.Menescau Dumont e, encerrando a quadra, a belíssima casa de Dona Mariquinha Malburg (Maria Raposo, de São Francisco), esposa de Carlos Malburg.

Este era o espaço de Dona Chiquinha, na Rua Lauro Muller que, antes da Proclamaçãoda República, se chamara Conde D´Eu. Dona Chiquinha Melo, minha amiguinha, era uma senhora muito querida que guardo entre as recordações da minha infância.

Todas as manhãs, eu ficava esperando-a sentada no único degrau da escada, rente à calçada, que dava acesso à nossa casa. Ela vinha vestido de luto, há quanto tempo nem sei dizer, acredito que nele eu ainda não existia; possivelmente, depois do luto pelo marido, fora pela filha que falecera ao dar a luz.

No bolso do seu avental, muito comprido, sobre uma saia rodada rente ao chão, ela trazia uma massinha de erva doce. Era para mim. Parece-me ainda sentir na boca, o gosto daquele pãozinho. Mostrando-a a ela, dizia com grande satisfação: Está aqui!

Saíamos as duas caminhando, lado a lado; eu saboreando a minha massinha de erva doce; e ela, cantarolando ou reclamando que a rua estava muito barulhenta; que os jovens dos ônibus não a respeitavam; que a guerra viera para tirar o sossego do mundo...

Segurava um terço que muitas vezes o colocou em meu pescoço, dizendo que era um colar. Duas idades que se correspondia: a velhice e a infância. Ela, com a memória já cansada, era simples como uma menina acompanhando a outra; e eu, na minha santa ingenuidade, ficava toda faceira com aquele terço pendurado ao pescoço como se fosse mesmo um colar.

Oh! Mundo que já foste mundo! Se o mundo já estava mudado no tempo em que ela existia, o que diria a coitada se vivesse em nossos dias? Ah! Dona Chiquinha! Agora é que ele está mudado! Vou fazer para a senhora, a minha trovinha lembrando que, depois da sua, as coisas não melhoraram, apesar de tantos anos terem passado:

Oh! Mundo que já foste, um dia
Um mundo tão educado
Oh! Mundo que estás virado
Num mundo tão perturbado.

É certo que, ao final dos anos, 90 - quando Dydimea publicou este texto – a história de Dona Chiquinha já ia longe no tempo. O mundo estava mudado; a cidade estava mudando; e a Rua Lauro Muller seguia seu rumo natural de transformação e progresso.

À bem da verdade, esse texto nos remete a uma luta incessante de alguns amantes da cultura, pela preservação do nosso Patrimônio Histórico. Há muito tempo, Itajaí vem perdendo seus espaços mais nobres. O chamado “Centro Histórico” vem cedendo espaço a outras construções; e muitas edificações que, outrora, contribuíram significativamente com a História da cidade; sobrevivem, apenas, na Memória de seus mais antigos moradores. É o caso de Dona Chiquinha, cuja história se perdeu em meio a um mundo perturbado; e que Dydimea soube resgatar de forma brilhante, em suas reminiscências.

Mais do que isso, a casa de Dona Chiquinha é exemplo vivo deste descaso com a história e com a memória de nossa gente. A conhecida Casa Mello, na Rua Lauro Muller, apesar de tombada pelo Patrimônio Histórico, está em ruínas. Eis o que resta do Mundo de Dona Chiquinha:










A Casa Mello, localizada na Rua Lauro Muller 355, é uma das poucas construções remanescentes do Século XIX. Teve sua construção por volta de 1890, e é um dos últimos exemplares existentes, com características da arquitetura colonial, em Itajaí; tanto no formato do seu lote, como na sua construção.  Nos Séc. XVIII e XIX, os lotes eram padronizados, com cerca de 10m de frente e de grande profundidade. Os casarios eram construídos sobre o alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre o limite do terreno. A construção no limite lateral era para que a construção vizinha servisse como garantia de estabilidade e proteção contra chuva.

O imóvel foi tombado pelo Patrimônio Histórico, no dia 14 de agosto de 2006, através do Decreto Municipal n.7535. Apesar disso, foi quase totalmente destruído, em 2009; e encontra-se abandonado, sem qualquer previsão de restauração.

O que se vê – e as fotos não mentem – é que nada tem sido feito para preservar a História da Casa Mello. E, em 2010, quando resolvi sair por aí registrando os últimos vestígios de uma Itajaí de outros tempos, encontrei o Mundo de Dona Chiquinha prestes a desmoronar de vez. Coisas desse mundo perturbado...

NOTA: Em maio de 2012, a Prefeitura autorizou a demolição das ruínas da Casa Mello. E então, o pouco que restava do Mundo de Dona Chiquinha virou pó !

Pesquisa e Elaboração: Kika 
Fotos: Acervo Pessoal Kika, Julho/2010.

Fontes:

FOLHA DO POVO. Ano I, nº o8. 11/04/99. Publicação Semanal. Texto de Dydimea Lázzaris de Oliveira.

Site da Prefeitura de Itajaí, sobre Intervenção da Casa Mello.
Data: 04/03/2008. Consultado em 31/01/11.

RESGATE HISTÓRICO 07:

A ITAJAHY DE ONTEM: ASSIM ERA, NO PRINCÍPIO...

José Bento Rosa da Silva, em sua obra “A Itajahy do Século XIX”, nos conta que, quando Itajaí ainda era Freguesia, entre 1835 e 1844, a população girava em torno de 1.686 habitantes; sendo 1.523 livres e 163 escravos.

Com base nas memórias de Antônio da Costa Flores, José Bento resgatou o seguinte depoimento: 

“No Itajaí não havia então nenhuma rua, nem se falava em arruamento. Nas imediações do local em que presentemente se acha a Matriz, existiam uns alicerces de pouco mais de meio metro de altura; construído por um pedreiro escravo do Major Agostinho, de nome Simeão; para a igreja, e uma meia água muito pequena de taipa, sem reboco, coberta de telha, sem forma exterior de templo e conhecida por Casinha de Nossa Senhora, porque agasalhava uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. O cemitério ficava no terreno sito nos fundos dessa casinha e ia até perto da atual casa do negócio do senhor Pedro Bauer.”

A Igreja da Imaculada Conceição - também conhecida como Igrejinha Velha - está localizada no marco Zero da cidade, bem próximo ao Rio Itajaí-Açú; mais precisamente no início da Rua Hercílio Luz, na Praça Vidal Ramos. É considerada um dos monumentos mais significativos da História itajaiense.


A atual construção é uma "ampliação" da antiga Matriz, inicialmente edificada em pedras e tijolos, a partir de 1834, pelo escravo Simeão; substituindo a primitiva capela de pau a pique, iniciada em 1823.

Pelo que se sabe, através da história oral, a parede original construída por Simeão, ainda está lá, nos fundos da Igreja; na divisa com uma pequena sala comercial, onde ainda funciona a Papelaria São Luís.

José Bento, entretanto, chama atenção para a falta de registros a respeito do construtor da Igrejinha Velha: “Simeão, ainda hoje, continua oculto, parte de uma história invisível; mas que sem ele, a igreja tampouco teria sido como foi ou é na atualidade.”



Vejamos mais alguns depoimentos, coletados pelo pesquisador, a partir das memórias de Costa Flores, e que retratam a Freguesia do Itajahy:

“Nos terrenos que o atual perímetro urbano desta cidade abrange e que, como sabe atinge a dois quilômetros, a contar da igreja matriz para todos os lados, exceto para o rio, que fica a muito pequena distância; contavam0se umas cinqüenta casas, entrando neste número pequenos ranchos miseráveis que, além de serem coberto de palha, compunham-se de um só compartimento com paredes feitas de ripas fincadas junto às outras. Todas as casas, salvo a do Major Agostinho (a melhor que havia) que era construída de pedra, tijolo e cal; tinham as paredes externas de taipa, isto é, de pau a pique amarrado com ripa, barreadas, sendo que só três ou quatro eram rebocadas e caiadas. (...) Não havia nenhuma casa com paredes externas de taboas. Passaram-se anos antes que existissem engenhos de serrar (...)”

“(...) mais ou menos por onde correm as Ruas Lauro Muller e Pedro Ferreira, ao lado oeste, havia apenas quatorze casas; sendo nesta quatro e naquela dez, entre as quais a do Major Agostinho que é agora de propriedade da viúva do Sr. Henrique Schneider. Essas quatorze casas estavam assim dispostas não porque obedecessem alinhamento, mas porque todas davam frente para o rio e acompanhavam a direita da praia (...)”

As memórias de Costa Flores registraram ainda, segundo José Bento, os terrenos ao sul do povoado, conhecidos com o nome de Fazenda, e um dos bairros mais antigos de Itajaí. Lá residiam Dona Felícia Alexandrina de Azevedo, viúva de certo oficial, que teria governado a então Província de Santa Catarina; e sua filha de nome Carolina, casada com o Capitão Benigno Lopes Monção. Eram proprietárias de muitos escravos, grande cafezal, muitas laranjeiras e outras árvores frutíferas; além de um engenho de mandioca e açúcar.

Um pouco mais além dos limites do povoado, as memórias se estendem à periferia, e registram: “Para os lados da Praia Brava, creio que os moradores ali eram poucos; era onde mais se plantavam algodoeiros e mais se fazia riscado da terra.”

Estes parecem ter sido, portanto, os primeiros registros que se tem notícia sobre o Bairro Fazenda e Praia Brava; em meados do Século XIX, quando Itajaí ainda era uma Freguesia.

No início do Século XX, mais precisamente a partir de 1904, o memorialista Juventino Linhares nos brindou com inúmeros registros do cotidiano dos bairros - do então emancipado Município de Itajaí - e seus personagens mais folclóricos. Mas isso é outra história...

Pesquisa e Elaboração: Kika

Fontes:

JOSÉ BENTO ROSA DA SILVA. A Itajahy do Século XIX – História, poder e cotidiano. Itajaí (SC): Editora Casa Aberta; 2009.


RESGATE HISTÓRICO 06:

A PRIMEIRA CAPELA – A “CASINHA DE NOSSA SENHORA”:  

Revisitando as páginas da História, não é difícil perceber que genealogia do Município de Itajaí está relacionada, em um primeiro momento, a São Francisco do Sul – uma das cidades mais antigas de Santa Catarina; cuja ocupação temporária foi feita por espanhóis, por volta de 1553.  De São Francisco do Sul originou-se Porto Belo, Itajaí, Joinville, Araquari e Garuva.

Conforme nos mostra o Historiador Edson d´Ávila, em sua “Pequena História de Itajaí”, antes da Criação do Curato, os primeiros moradores do núcleo urbano que se formava, às margens do Rio Itajaí Grande, cumpriam suas obrigações religiosas na Matriz de Nossa Senhora da Graça do Rio São Francisco, a cuja Paróquia pertenciam.

Na época, o Templo religioso mais próximo era a Capela de São João Batista de Itapocorói, distante duas léguas e meia do pequeno povoado. Diante disso, o Vigário de São Francisco do Sul  ouo Capelão Curado de Armação do Itapocorói visitavam as casas do povoado do Rio do Itajahy, rezando missas ou celebrando casamentos e batizados.

A partir de 31 de março de 1824, o “Curato do Santíssimo Sacramento do Itajahy” passa a atender a região compreendida entre o Rio Gravatá (ao norte) e Camboriú (ao sul); através do Capelão-Curado Frei Pedro Antônio Agote.

No mês seguinte à Criação do Curato, o casal José Coelho da Rocha e Maria Coelho da Rocha – devotos do Santíssimo Sacramento - doa as terras para a construção da primeira Capela e do Cemitério; com a expressa  condição de receber sepultura e salvação para suas almas.
escritura de doação data de 02 d abril de 1824, e foi lavrada a pedido dos doadores - que eram analfabetos; condição da maioria, naquele contexto histórico.

Segue a transcrição do documento:

“Dizemos nós abaixo assinados com uma cruz que é o sinal de que usamos JOSÉ COELHO DA ROCHA e minha mulher MARIA COELHO DA ROCHA, que somos senhores e possuidores de trinta (30) braças de terra de frente, com sessenta (60) braças de fundos, sitos neste Rio de Itajahy Grande, no lugar chamado Estaleiro; cujas terras fazem, a Leste no dito Rio as frentes, os fundos a a Oeste com terras de nossa propriedade. Extremam pelo sul com terá de AGOSTINHO ALVES RAMOS e pelo Norte com terras de nossa propriedade; cujas terras assim confrontadas fazemos a doação no valor de trinta mil réis ao Santíssimo Sacramento, para nelas ser feita sua Capela e um cemitério com condição de semos dar a sepultura e fazer nosso Bem d´Alma; cuja doação fazemos por muito nossa livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma. E pedimos ao Senhor Bento José da Costa que este por nós fizesse assinada com testemunhos e Nós assinamos com o nosso sinal que é uma cruz.

Rio de Itajahy, 2 de abril de 1824
José Coelho + da Rocha
Maria Coelho + da Rocha
Como testemunhas que este fiz por ser pedido pelos ditos senhores:
Bento José da Costa
Como testemunha que lhe este vi fazer:
Germano José da Silva.
Em uma tentativa de localizar os cenários, vale dizer que o local chamado Estaleiro – descrito pelo “Documento de Doação do Terreno da Egreja Matriz”, assinado em 02 de abril de 1824 – fica no início da Rua Hercílio Luz, na Praça Vidal Ramos. E quando dizemos início da Rua Hercílio Luz, é porque - ao contrário do que possa parecer - a Rua começa ali, no Marco Zero; onde o pequeno povoado do Rio Itajahy iniciou a sua História.

A primeira Capela-Curada foi construída de pau-a-pique e barreada, conforme registram as memórias de Antônio da Costa Flores:

“(...) uma meia-água muito pequena, de taipa, sem reboco, cobertura de telha, sem forma exterior de templo, e conhecida por “Casinha de Nossa Senhora”; porque agasalhava uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. O cemitério ficava no terreno sito nos fundos desta casinha, e ia até perto da atual casa de negocio do Sr. Pedro Bauer.”

Com a elevação do povoado à condição de Freguesia - a partir da resolução assinada pelo Presidente da Província - em 12 de agosto de 1833, Itajahy desliga-se da Vila de São Francisco do Sul; e integra-se ao Município de Porto Belo.  Surgia, então, a Freguesia do Santíssimo Sacramento do Itajahy.

Neste meio tempo, a pequena “Casinha de Nossa Senhora” precisou de reparos e acabou sendo substituída por uma construção de pedra e tijolo, iniciada em 1834, por Simeão - um escravo do Major Agostinho. Começava ali, a construção da primeira Matriz da Paróquia do Santíssimo Sacramento.

Segundo Edson d´Ávila, com o intuito de atender a um desejo da Agostinho Alves Ramos, a Freguesia passou a ter uma co-padroeira – Nossa Senhora da Conceição – de quem era contrito devoto.

Daí, a origem de duas datas comemorativas religiosas ainda respeitadas no Município de Itajaí: a de Corpus Christi, em homenagem ao Santíssimo Sacramento; e o dia 08 de dezembro, dedicado à Imaculada Conceição.

Em 1843, o Governo Provincial precisou socorrer a Matriz, para levantar uma parede que havia caído. No entanto, em 1849, a Igreja se encontrava em tamanho estado de risco, que o Vigário passou a celebrar a Missa em sua própria casa. Dois anos mais tarde, em 1851, a Igreja cai; e as imagens tiveram que ser recolhidas à casa de Agostinho Alves Ramos.

Uma vez reconstruída, a Primeira Matriz ocupava um espaço bem pequeno – e que hoje, poderia ser comparado ao espaço que ocupam os bancos centrais da Igrejinha da Imaculada Conceição. Somente em 1865, a obra conseguiu ser concluída.

Com a Resolução n.464, de 04 de abril de 1859; – decretada pela Assembléia Legislativa Provincial – a Freguesia do Santíssimo Sacramento do Itajahy passa à condição de Vila; desmembrando-se da Vila de Porto Belo; e agregando o distrito de Penha.

Todo esse processo provocou um crescimento populacional significativo; que acabou exigindo a ampliação da antiga Matriz; e que de fato aconteceu, a partir de 1889, com o alargamento e reformas internas – obras concluídas somente em 1899.



Largo da Matriz , 1900



 Primeira Matriz, 1915


OS PRIMEIROS CEMITÉRIOS:

Em relação ao primeiro Cemitério, vale dizer que os primeiros mortos do povoado do Rio de Itajahy eram sepultados na outra margem. E é, mais uma vez, Antônio da Costa Flores - esse guardião da memória - quem nos oferece um panorama do local: “Na planície fronteira do Rio, encontrava-se a residência coberta de telhas e o engenho de fazer farinha do velho José Coelho da Rocha; algumas casinhas cobertas de palha e um cemitério no qual não se enterrava mais ninguém; mas constava que, a princípio, se sepultavam mesmo as pessoas que faleciam do lado de cá.(...)”

Segundo Edson d´Ávila, esses sepultamentos eram realizados em uma necrópole de modestas proporções, na localidade onde hoje está instalado o vizinho Município de Navegantes.

Dentro desse contexto, Historiadores dão conta de que não existe nenhum registro fotográfico ou ilustrativo do primeiro Cemitério; construído ao lado da primitiva “Casinha de Nossa Senhora”, logo após a doação das terras pelo casal Coelho da Rocha.

O que se sabe é que o Cemitério permaneceu ali até a época da elevação da Freguesia à categoria de Vila; quando novos problemas e reivindicações começaram a se fazer presentes. O Jornalista André Pinheiro aponta alguns destes problemas:

“(...) era preciso afastar a necrópole; empurrando-a para além dos limites urbanos; que naquele tempo se estendiam somente até a altura da Rua Felipe Schmidt. Mesmo com atraso de aproximadamente um século, as queixas contra a permanência do cemitério na região central eram sinais da modernização que chegava; trazendo consigo a autoridade conferida aos saberes médicos e ao conhecimento científico da época.

A preocupação dos médicos em fazer circular o ar, vigiando seus odores e higienizando os ambientes, baseava-se na teoria dos miasmas, que ganhou força no século XVIII. Os defensores dessa idéia afirmavam que as pessoas que respirassem ares de má qualidade (supostamente contaminados por matéria orgânica em decomposição) ficariam doentes. Com isso, os mortos tornaram-se uma ameaça à saúde dos vivos; e não só os cemitérios, mas também os velórios, assim como os cortejos e outras práticas funerárias, passaram a ser encarados como focos de doenças.””



 Neste local foi construído o Primeiro Cemitério da 
"Freguesia do Santíssimo Sacramento do Itajahy"


Sendo assim, em 1863, a Câmara Municipal adquiriu uma extensa faixa de terra para a construção do novo Cemitério Público; transferido de seu local primitivo – os fundos da Igrejinha da Imaculada Conceição – para o local onde, atualmente, está localizada a Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento.

Construído o novo Cemitério, a área frontal foi reservada para uma Praça Pública que, até o final do Império, ficou sem denominação; sendo apenas conhecida como Largo do Cemitério. Em 1930, o Largo do Cemitério passou a se chamar Praça João Pessoa; que, hoje, recebe o nome de Praça Irineu Bornhausen – a conhecida Praça da Matriz. 

Mas a construção do novo cemitério não foi suficiente para resolver  os problemas que surgiam, decorrentes do crescimento populacional e fluxo migratório constante pela Porta do Vale - o pequeno Porto de Itajahy.



Local destinado, em 1863, à construção do Cemitério Público; 
e onde, hoje, localiza-se a Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento.


O Historiador José Bento Rosa da Silva, em sua obra “A Itajahy do século XIX – História, Poder e Cotidiano”, retrata bem um desses grandes problemas : como lidar com o fluxo migratório de luteranos, calvinistas e presbiterianos; que chegavam à Vila do Itajahy, através do Porto; quando o contexto religioso da época – o Antigo Regime da Coroa Portuguesa – ainda determinava que Religião Oficial era a Católica Apostólica Romana ?

Sendo assim, todos deveriam professá-la, sob pena de ficar às margens da Lei: sem batismo; sem direito ao casamento oficial; sem direito a sepultamento no Campo Santo (cemitério ao lado da Igreja Católica).  Mais do que isso, os desejados imigrantes – “sangue bom” para fazer desta terra um bom país, aos moldes europeus – continuavam chegando; enquanto as velhas estruturas persistiam, obstinadas. Era preciso agir, sem demora.

Em 17 de abril de 1863, o Decreto nº 3.069 passou a regulamentar o registro de casamentos, nascimentos e óbitos de pessoas que professassem religião diferente da do Estado. No entanto, segundo José Bento, isso não foi suficiente para resolver os inúmeros perrengues oriundos das tensões étnico-raciais existentes na Vila do Itajaí; das quais nem os mortos conseguiram escapar ilesos.

No início do Séc.XX, a crescente expansão do núcleo urbano - para além dos arredores da Matriz - exigiu, mais uma vez, a transferência do Cemitério Público para um local mais amplo e retirado. A área escolhida foi aquela que, ainda hoje, abriga o Cemitério Municipal da Fazenda; inaugurado em 01 de outubro de 1931; pelo, então, Prefeito Adolfo Germano de Andrade.




Cemitério Municipal da Fazenda


Elaboração: Kika

Fontes:

JOSÉ BENTO ROSA DA SILVA. A Itajahy do Século XIX – História, poder e cotidiano. Itajaí (SC): Editora Casa Aberta; 2009.
ANDRÉ PINHEIRO. Breve Histórico dos Cemitérios de Itajaí. In: Anuário de Itajaí. Itajaí (SC): FGML, 2003.
EUCLIDES JOSÉ DA CRUZ. Pequena Pátria. In: Itajaí – Outras Histórias. Itajaí (SC): FGML, 2002.
EUCLIDES JOSÉ DA CRUZ. Itajaí: 180 anos de História e fé. In: Anuário de Itajaí. Itajaí (SC): FGML, 2004.
DIDIMEA LÁZZARIS DE OLIVEIRA. A Casinha de Nossa Senhora. Texto publicado no Jornal Folha do Povo. Ano I, nº28, de 25/09/1999.

FOTOS:  Acervo da FGML. Portal 150 Anos de Itajaí.


RESGATE HISTÓRICO 05: 

AGOSTINHO ALVES RAMOS - O PERFIL DE UM LUTADOR


 

De 1823 a 1853, a história de Itajaí se confunde com a história de Agostinho Alves Ramos. Através de sua biografia, é possível acompanhar o crescimento da “primeira organização de pessoas”, no Vale do Itajaí, nos séculos XVIII e XIX.

A partir do momento em que aportou por aqui, o povoado começou a se desenvolver em torno de objetivos comuns; alicerçados e administrados por Agostinho Alves Ramos, no verdadeiro intuito de formar uma Vila. 

Pouco se sabe sobre seus antecedentes, antes da vinda para Santa Catarina, logo depois da Independência do Brasil. Registros informam que é natural do Rio de Janeiro; e exercia a profissão de guarda-livros.

Veio para Desterro, em companhia da esposa Ana, natural de Peniche, Portugal; e tornou-se sócio do comerciante Anacleto José Ferreira; que mantinha grandes negócios comerciais, não somente na Ilha, mas ao longo de todo o litoral; que se estendia de São Francisco a Laguna. Seus barcos percorriam, periodicamente, a região; levando gêneros de toda ordem; e trazendo produtos de lavoura, óleo, barbatanas e outros derivados das baleias.

É muito provável que, através dessas viagens, Agostinho tenha conhecido novos espaços, repletos de possibilidades; incluindo terras às margens do Itajaí-Açu; cuja foz – cerca de três léguas ao Sul de Itapocorói – oferecia abrigo seguro; e onde já estavam instalados agricultores e serradores de madeira, com os quais poderia negociar.

Por certo, não deixou de considerar as possibilidades que as Margens do Itajaí ofereciam a todo aquele que, com entusiasmo e força de vontade, se dispusesse a enfrentar uma gama de obstáculos. Vencê-los, parecia ser o grande desafio.

Seguindo estes propósitos, Agostinho Alves Ramos resolveu transferir-se para a Foz do Rio Itajaí-Açu; e ali montar sua própria casa comercial.

Neste mesmo tempo, há aproximadamente meia légua abaixo da confluência do Rio Itajaí- Mirim; fixou-se, com sua família, José Coelho da Rocha, descendente de antigos moradores da praia de Itajaí, à margem esquerda do Grande Rio; e cujos terrenos, ao que parece, confrontavam à Leste com os de Azeredo Leão Coutinho; ao Sul com os de Correia de Negreiros ou José Correia; a Oeste com o Mirim; e com frente para o Rio Itajaí-Açu

De José Coelho da Rocha, Alves Ramos adquiriu terras onde deu início às construções de sua casa; e que serviria, também, para abrigar o comércio que projetava montar.

O Professor José Ferreira da Silva, em seu trabalho “A Fundação e o Fundador”, registra que, pouco tempo depois, instalou-se ali, com a esposa – Dona Ana e um religioso franciscano, espanhol de nascimento – Frei Pedro Antonio Agote.

Vale lembrar que a Casa de Agostinho Alves Ramos localizava-se na esquina das Ruas Hercílio Luz e Lauro Muller; onde, nas décadas de 80/90, funcionou o tradicional Café Democrático. 

Dentro desse contexto, enquanto Alves Ramos se preocupava em consolidar relações comerciais com moradores da região; Frei Agote cuidava da organização espiritual do Distrito. Um dos cômodos da casa foi destinado à Capela; que Dona Ana, profundamente devota, requintou com sua intensa fé e amor à religião.

Simultaneamente, foi enviada ao Bispo do Rio de Janeiro, a documentação necessária, com o intuito de delimitar oficialmente, o Distrito; a partir da autorização para a construção de uma capela-curada; buscando ainda, autorização para que fossem permitidas celebrações de ofícios religiosos em oratório particular, enquanto a construção não estivesse concluída.

Sendo assim, em 31 de março de 1824, foi assina a Provisão Eclesiástica, criando o Curato do Distrito de Itajaí; que, segundo a Provisão Episcopal, compreendia todos os moradores entre o Rio Gravatá do Norte e o Rio Camboriú do Sul.

A partir desta data, o povoado começou a ganhar forma. No mês seguinte, os Coelho da Rocha doaram o terreno para a construção da Capela e do Cemitério. Agostinho Alves Ramos tomou para si a responsabilidade de levantar o pequeno Templo, dedicado ao Santíssimo Sacramento, sob cuja invocação criou-se o Curato.

A escritura da doação do terreno data de 02 de abril de 1824; e foi lavrada, a pedido dos doadores – que eram analfabetos, como a grande maioria daquela população, visto que foi Alves Ramos quem implantou a primeira escola em Itajaí – por Bento José da Costa; tendo como testemunha, Germano José da Silva.  Foram doadas trinta braças de frente; com sessenta de fundos; que extremavam, pelo Sul, com as terras de Agostinho Alves Ramos.

Condições expressas determinavam a construção de uma Capela e de um Cemitério; e que se desse nele, sepultura aos doadores. As despesas da construção da Capela ficaram por conta, quase que exclusiva, de Agostinho; salvo o que Frei Agote conseguiu colher entre os seus curados e os de Itapocorói; até onde se estendia o exercício do seu Ministério; auxiliando a Cura da Capela de São João Batista.

A primitiva capela foi construída de pau a pique e barreada. Depois, foi substituída por outra de pedra, e edificada por um escravo de Alves Ramos, de nome Simeão; e que, conforme já registramos, poucas referências se têm sobre sua existência e contribuição na História de Itajaí.

A Provisão Eclesiástica, por sua vez, delimitava o Curato: o Rio Gravatá, ao Norte, separava-o do Curato de Itapocorói; e o de Camboriú do de Porto Belo que, já em dezembro de 1824, foi elevado à Paróquia. Nestes termos estava, portanto, fundado o Povoado do Santíssimo Sacramento do Itajaí.
A Capela e o comércio de Agostinho Alves Ramos atraíram novos moradores para as regiões ribeirinhas ; e, pelo Itajaí Açu acima – até a confluência com o Mirim – outras moradas surgiram.

Próximo à Barra do Rio – que hoje abriga Bairro do mesmo nome – o complexo de casas foi maior; uma vez que, junto às margens já povoadas do “Rio Pequeno” (Itajaí-Mirim); produziu-se grande volume de cereais e madeira; que desciam o Itajaí-Açu, a bordo de pequenas embarcações, até o Armazém de Alves Ramos. 

É válido notar que Alves Ramos não limitou suas atividades a meras transações comerciais. Muito além disso, tornou-se amigo e conselheiro dos moradores da região; servindo-lhes de orientador em seus negócios; médico em suas enfermidades; e mediador em suas desavenças. Dona Ana, por sua vez, não era menos solícita com aquela gente. Dotada de bom coração e excelente atividade, dividia a atividade comercial com o esposo; tomando conta do balcão e de uma padaria, que acrescentara à venda de tecidos e gêneros de “secos e molhados”.

Em pouco tempo, diante de tanta expressão, Alves Ramos tornou-se o chefe do Curato; estendendo sua influência às margens povoadas do Itajaí-Mirim; de Camboriú e Porto Belo. Por sua ação e interferência, a 13 de janeiro de 1830, o Conselho Geral da Província, indicou as terras do Itajaí para a instalação de um povoado com 200 casais. 

Diante dessa possibilidade de expansão, Agostinho solicitou, em petição à Câmara Municipal da Vila da Graça - São Francisco - a elevação do Curato à Freguesia. Neste documento, os moradores do Distrito apontavam as razões pelas quais julgavam, de direito, ter a Capela Curada de Itajaí elevada à Freguesia - ou Paróquia.

A resposta veio em meados de 1833; quando foi assinada a resolução que, por proposta do Conselho Geral da Província, elevava o Arraial de Itajaí à Paróquia; sob a mesma invocação do Santíssimo Sacramento; agora acrescido do de Nossa Senhora da Conceição; e que criava o respectivo Distrito Policial. Assim, em 12 de agosto de 1833, estava criada a Freguesia do Itajahy - passo marcante para a transformação do povoado em sede administrativa, política e econômica; de significativa importância para o desenvolvimento da região da Foz do Rio “Itajaí Grande”.

Pesquisa e Elaboração: Kika

Fontes: 

NORBERTO CANDIDO SILVEIRA JÚNIOR. ITAJAI.; 1972.
LENZI, Rogério Marcos. ITAJAÍ E OUTRAS HISTÓRIAS. Expansão e Colonização: os fatos lineares da História. FGML; 2002.

RESGATE HISTÓRICO 04

A FREGUESIA DO ITAJAHY - CURATO E FREGUESIA
A GÊNESE DE UM POVOADO:

Para entender melhor o processo histórico da formação de um povoado, buscamos, em um primeiro momento, o conceito de Curato e Freguesia.

Os Curatos eram povoados pequenos, sem autonomia política ou eclesiástica; que ainda não dispunham de população suficiente para elevar-se à categoria de Freguesia – sinônimo de Paróquia.

O Curato era assistido pelo Cura -   um Capelão, representante do Pároco; que velava pelos interesses eclesiásticos daquela pequena comunidade; e nem sempre morava no povoado; visitando-o esporadicamente, para celebrar missas, casamentos e batizados. 

O Curato não tinha Pároco; nem livros próprios para seus assentamentos.  A partir do momento em que se registrava um crescimento populacional; seguido de um aumento considerável nos atos realizados pelo Cura, em um determinado período de tempo; iniciava-se o processo de elevação do  Curato em Freguesia.

Durante o Período do Brasil Colônia e Brasil Império, Freguesia era sinônimo de Paróquia; e não havia nenhuma estrutura civil distanciada da estrutura eclesiástica. Sendo assim, o Pároco exercia jurisdição espiritual sobre respectiva população, também chamada de paroquianos ou fregueses.

Posteriormente, o termo Freguesia passou a ser aplicado a um conjunto populacional, formado pelos seguintes aspectos:

. Uma população relacionada por um elevado grau de vizinhança; de interesses próximos e de semelhantes expressões sócio-culturais;
. Um território geográfico em que essa população se implementa, circunscrito por limites que o individualizam; bem como pelos órgãos representativos dessa associação população-território.

O CURATO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DO ITAJAHY:

As primeiras informações a respeito da presença do homem branco às margens do Itajaí, de acordo com o Historiador Vilson Francisco de Farias, remontam a 1658; quando João Dias Arzão requereu ao Capitão-Mor da Vila de São Francisco, uma Sesmaria naquele local.

No início do Século XIX, foram distribuídas várias Sesmarias na região junto às praias e margens do “Itajaí Grande”; completando a ocupação das melhores terras da região.

De acordo com Vilson, por ato do Governador da Capitania, foram doados 12 lotes de terra (Sesmarias); entre 1811 e 1823: João Alberto da Silva, Manoel Antônio de Souza Medeiros, Francisco Lourenço da Costa, José Ignácio da Cunha, Manoel José d´Aquino, José Francisco Caldeira Junior, José do Rego, Vicente Antônio Ferreira, Manuel Francisco Caldeira, Antônio Meirelles e Manoel d´Oliveira do Nascimento eram moradores estabelecidos em Itajaí, com bens de raiz (propriedade), antes da criação do Curato, em 1824; e, portanto, fundadores; juntamente com outros anteriormente fixados na comunidade, sob a liderança de Agostinho Alves Ramos.

Dentro desse contexto, o registro mais antigo que indica uma comunidade organizada, onde moravam pessoas com “bens de raiz” data de 31/03/1824; quando o povoado elevou-se à condição de Curato.

O Curato do Santíssimo Sacramento foi criado através da Provisão Episcopal de Dom José Caetano da Silva Coutinho, Bispo do Rio de Janeiro, em 31/03/1824; tendo como Capelão Curado, Frei Pedro Antônio Agote; cujo trabalho não era outro senão contar as almas convertidas ao Catolicismo; registrar batismos, casamentos e falecimentos; além de proceder a visitas periódicas às famílias. 

Foi nesta época que se registrou a construção do primeiro templo católico do povoado. De acordo com as memórias de Antônio da Costa Flores, a Igreja foi construída por um escravo de Agostinho Alves Ramos, chamado Simeão; e que, conforme já documentou o Historiador José Bento Rosa da Silva em suas pesquisas sobre a Itajaí do Século XIX; poucas referências se têm dele, enquanto colaborador na construção da História de Itajaí.




Largo da Matriz



Largo da Matriz, 1900

Os registros que se tem desse período entre a instalação do Curato e a emancipação do povoado à condição de Freguesia, passam, em grande parte, pela memória de Antônio da Costa Flores - um gaúcho do Município de Triunfo, filho de imigrante português da Cidade de Campo Grande/Portugal - que chegou ao povoado do Santíssimo Sacramento do Itajahy, entre 1840 e 1844; e que, na década de 1860, seria Fiscal da Câmara Municipal. No início do século XX, esse guardião da memória - como o intitula o Historiador José Bento Rosa da Silva - deixou vários relatos à imprensa local.

A FREGUESIA DO ITAJAHY:

O progresso crescente da comunidade contribuiu para sua elevação à condição de Freguesia, em 12/08/1833; com o nome de Freguesia do Santíssimo Sacramento do Itajahy; subordinada à Vila de Porto Belo.




Itajahy em Gravura, 1884

 Apesar de serem poucos os registros sobre esta época, vejamos alguns depoimentos coletados por José Bento Rosa da Silva, a partir das memórias de Costa Flores, e que retratam a Freguesia do Itajahy:

“Nos terrenos que o atual perímetro urbano desta cidade abrange e que, como sabe atinge a dois quilômetros, a contar da igreja matriz para todos os lados, exceto para o rio, que fica a muito pequena distância; contavam-se umas cinqüenta casas, entrando neste número pequenos ranchos miseráveis que, além de serem coberto de palha, compunham-se de um só compartimento com paredes feitas de ripas fincadas junto às outras. Todas as casas, salvo a do Major Agostinho (a melhor que havia) que era construída de pedra, tijolo e cal; tinham as paredes externas de taipa, isto é, de pau a pique amarrado com ripa, barreadas, sendo que só três ou quatro eram rebocadas e caiadas. (...) Não havia nenhuma casa com paredes externas de taboas. Passaram-se anos antes que existissem engenhos de serrar (...)” 

“(...) mais ou menos por onde correm as Ruas Lauro Muller e Pedro Ferreira, ao lado oeste, havia apenas quatorze casas; sendo nesta quatro e naquela dez, entre as quais a do Major Agostinho que é agora de propriedade da viúva do Sr. Henrique Schneider. Essas quatorze casas estavam assim dispostas não porque obedecessem alinhamento, mas porque todas davam frente para o rio e acompanhavam a direita da praia (...)”



Casa de Agostinho Alves Ramos

A exemplo de Costa Flores, o engenheiro belga Van Lede – fundador da colônia belga que daria origem à cidade de Ilhota – também deixou registradas suas impressões, ao passar pela Freguesia do Itajahy, em 1842:

 “A Freguesia de Itajaí compõe-se de uma cinqüenta casas, dispersas pela margem do rio, perto de sua foz e ao longo da praia. Tem uma igrejinha, alguns pequenos estaleiros; é sede de um juizado de paz e residência de um Tenente-Coronel da Guarda Nacional. Para estas duas autoridades tínhamos cartas do Presidente, que nos apressamos a entregar.”

“O Coronel Alves Ramos acolheu-nos, perfeitamente e pôs à nossa disposição um iatezinho, no qual subimos o Itajaí Grande. (...) Na confluência do Rio Conceição (Rio do Meio) com o Itajaí-Mirim. O Coronel tinha uma fazenda (...). A fazenda do Coronel achava-se situada num local que, nas grandes enchentes, estaria exposta a inundações. O solo ficava cerca de dois metros acima do nível do rio e tudo estava de acordo com uma habitação construída sobre estacas; cujos cabeços ultrapassavam o terreno a alguns pés. Ele recebeu-nos com sua habitual cordialidade; e, enquanto esperávamos pelo jantar, levou-nos ao alto do morro perto de sua casa. Fizemos o trajeto com alguma dificuldade; mas, chegado acima, fomos largamente compensados de nossa fadiga, pela magnificência do panorama que desse lugar se desvendava até onde a vista podia alcançar. Munidos de uma bússola azimutal, fizemos, imediatamente, o levantamento de muitos pontos importantíssimos para nossa carta e que já havíamos observado de outros lugares. À nossa frente, desdobrava-se uma imensa planície que, de norte a sul, a perder de vista, estava coberta pela mata virgem, cujas cores ricas e variadas acompanhavam todas as ondulações do terreno.”


Em nota explicativa, em sua obra “Itajaí – 1972”, Silveira Júnior registra que, pela descrição de Van Lede, a Fazenda de Agostinho Alves Ramos localizava-se nas proximidades da casa da Família Werner; nas imediações da ponte sobre o Rio Conceição; que é um dos nomes atribuídos ao Rio do Meio.  Da mesma forma, o morro mencionado por Van Lede seria o Morro da Araponga; onde está localizado o serviço de tratamento de água de Itajaí. 




A “CASA GRANDE” DA “FAZENDA”:

As memórias de Costa Flores registraram ainda, segundo José Bento, os terrenos ao sul do povoado, conhecidos com o nome de “Fazenda”, e que se transformou em um dos bairros mais antigo de Itajaí.

As terras da “Fazenda” pertenceram à Sesmaria adquirida, em 1793, pelo tenente-coronel Alexandre José de Azeredo Leão Coutinho; natural do Rio de Janeiro e que, em 1787, foi removido para Santa Catarina, com o objetivo de comandar a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, em Desterro; atual Florianópolis.

Por indicação do Rei de Portugal, Azeredo Leão Coutinho estabeleceu-se na “Fazenda” com a mulher – Fortunata Amélia de Azeredo Leão Coutinho -; filhos e muitos escravos. As terras eram propícias para o plantio; e foram aproveitadas para o cultivo de café e árvores frutíferas; além da manutenção de um engenho de mandioca e açúcar. Em 1798, Leão Coutinho enviuvou e casou-se com Felícia Alexandrina. Ele faleceu em 08 de outubro de 1815, aos 64 anos; e a propriedade passou a ser administrada pela viúva Felícia Alexandrina de Azevedo e sua filha Carolina; então casada com o Capitão Benigno Lopes Monção.

Após a morte de Felícia, os herdeiros começaram a vender partes da propriedade; conservando apenas a área central, onde estava localizada a “Casa Grande”; e que foi vendida, no fim do Século XIX, para o Coronel Eugênio Muller.

Em meados de 1960, os herdeiros de Eugênio Muller lotearam a área, dando origem ao “Loteamento Muller”, popularmente conhecido como “as terras do Milla”. Somente aí aconteceu a demolição da histórica e centenária “Casa Grande”; localizada onde, hoje, está a Igreja Nossa Senhora de Lourdes – a popular Igreja da Fazenda.

A Fazenda é, portanto, a mais antiga área urbana da cidade; cuja história é anterior à própria história de Itajaí; que teve seu início com a criação do Curato, em 1824. Infelizmente, são raros os registros dessa época; e, por enquanto, nenhuma foto foi identificada para ilustrar essa página - quase que desconhecida - da nossa História.


Elaboração: Kika

Fontes:

SILVEIRA JÚNIOR. Itajaí. Excalibur; 1972

JOSÉ BENTO ROSA DA SILVA. A Itajahy do Século XIX – História, poder e cotidiano. Itajaí (SC): Editora Casa Aberta; 2009.

ROSA DE LOURDES VIEIRA E SILVA. Bairro Fazenda – O Território da Minha Infância. Itajaí (SC): Gráfica e Editora Nova Letra; 2009.

VILSON FRANCISCO DE FARIAS. De Portugal ao Sul do Brasil. 500 anos. História – Cultura – Turismo.; Florianópolis (SC); edição do autor; 2000.

Fotos: 

Acervo FGML - Portal 150 anos de Itajaí.
http://150anos.itajai.sc.gov.br/


RESGATE HISTÓRICO 03:

UM RIO DE MUITOS NOMES - ORIGEM E SIGNIFICADOS:

De acordo com o Padre Raulino Reitz, a primeira referência que se tem ao Rio Itajaí, está registrada em um trabalho do Século XVII, chamado “Costa do Governo do Rio da Prata até o Brasil”; elaborado a partir das notícias de Emanuel Figueiredo, português; e Theodoro Reuter, holandês.

Neste trabalho consta que “(...) de uma baía que os portugueses chamam de “Enseada das Garoupas” (...) até o rio que os índios chamam de Tajahug até o S. Francisco, o mesmo navegante conta 27 léguas (...)”

Ainda, de acordo com o mesmo estudioso, em um mapa do Paraguai e zonas limítrofes, datado de 1722, assinala-se um certo Rio Tayabeuy.

Segundo Carlos da Costa Pereira, no Mapa Garaffa, de 1637 e 1641, conforme supõe Rio Branco, menciona-se o Rio Tayahuy. Ainda segundo Costa Pereira, o mais antigo documento que se tem notícia, já com a grafia deItajahy - começando com “i” e não com “t” - data de 1799; e é o requerimento em que Joaquim Francisco de Salles e Mello - Governador da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, na Ilha de Santa Catarina – pede uma légua de terras em quadra no Rio Itajahy-Merim; para neste local construir uma fábrica de açúcar, atendendointeresses particulares e dos “reais dízimos””. Este requerimento é de 30 de agosto de 1799.
  
ORIGEM E SIGNIFICADO:

De acordo com o Prof. Lino João Dell´Antônio, em sua obra "Nomes Indígenas dos Municípios Catarinenses, Significado e Origem" :

O município de Itajaí foi criado pela Lei provincial nº 464 de 04 de abril de 1.859, com território desmembrado dos municípios de Porto Belo e São Francisco. A instalação oficial ocorreu a 15 de junho de 1.860. Pertence à Microrregião da Foz do Rio Itajaí.

Segundo o IBGE (1.959, p. 179 e 180), no passado, houve muitas divergências sobre a origem do nome. Para João Medeiros (1.948, n. 1), o termo provém de “tayá”, taiá e de “y”, rio. Estudando as origens e o significado da palavra Itajaí, Norberto Bachmann (1.949, apud IBGE, 1.959. p.179 e 180) não tem dúvida que significa rio pedregoso, porém, admite outras opiniões, surgidas principalmente pelo fato de aparecer o topônimo ora escrito com o “i” inicial, ora apenas com a letra “t”, dando asas a outras interpretações, como rio dos taiás. De acordo com Saint-Hilaire (1.854, p. 316), a palavra vem do guarani e significa rio das pedras juntas. Além dessas duas correntes, mais recentemente, Silveira Junior (1.969), após consultar o professor paraguaio Decoud Larrosa, dá ao termo Itajaí a definição de pedra laminada, sem relacionar o “i” final à idéia de rio. Também publicamos um artigo (2.004, p. 117), defendendo a definição rio de muitas pedras. Recentemente, os Roteiros Turísticos Regionais, Rota do Sol, definem Itajaí como rio que corre sobre as pedras.

Uma língua indígena apenas falada e cheia de metaplasmos como o Tupi-Guarani, muitas vezes, nem mesmo o contexto geográfico socorre o filólogo. A formação do termo é resultante de adaptações e modificações impostas pela vernaculização. As diversas grafias – Tajahi, Tajay, Itajahy, Taiahug, Tayahug e Taiai – são formas sinônimas, perfeitamente compreensíveis no tempo. A estrutura linguística “já”, que aparece historicamente sob diversas grafias sinônimas - “ya”, “uá” e “ia” - é a responsável pela interminável polêmica sobre o significado do termo. Segundo os grandes estudiosos do antigo Tupi-Guarani, desde o “Vocabulário y Tesoro” do Pe. Antonio Ruiz de Montoya até mais recentemente a Max H. Boudin, o pronome relativo “i”, “y”, “j”, que, é muito usado como prefixo indicativo de verbos. O “a” que o segue é uma prerraiz, com significado de semente, fruta, bola, entumescência, nascimento, prevalecendo a ideia da forma arredondada (SOARES, 1.954, p. 233). Assim, a estrutura linguística “já”, afixada ao termo, indica algo que sai, que nasce, que aponta, que aparece, exatamente conforme a referência feita pelo Arcipreste Paiva, nos meados do século XIX.

Feito o esclarecimento filológico, esta é a morfogênese da palavra: Itá (pedras) + (pronome relativo que) + a(terceira pessoa do indicativo do verbo nascer, emergir, sair fora, parecer, ter forma arredondada) + (rio). A tradução literal é rio das pedras que emergem É uma alusão a uma realidade que se manifesta visivelmente em grande parte dos percursos de todos os afluentes do rio Itajaí Açu e também na fase adulta do rio, conforme depoimento de Gustavo Konder.

Apesar de algumas divulgações que ainda relacionam o significado do nome ao vegetal taiá, há muitos textos que o definem como rio das pedras, sem fazer qualquer referência à estrutura linguística “já”. Além dos textos de Avê-Lallemant e de Gustavo Konder, que confirmam a existência dessas pedras que sobressaem em toda a bacia do rio, é a descrição do Arcipreste Paiva a que mais se aproxima da ideia contida na prerraiz “a”, a origem de todas as polêmicas a respeito do significado do termo. O mapa do geógrafo Pe. Diogo Soares, registrando as nascentes do grande rio, vem contrariar a crença que os guaranis só ocupavam o litoral. Concomitantemente confirma que, as pedras que emergem são características constantes do rio, desde as suas nascentes, chamadas por ele de cachoeiras.

Falando sobre roteiros da Estrada das Tropas do planalto catarinense, a carta geográfica do R. P. M. Diogo Soares (1737) cita as características das pedras que emergem desde as nascentes do rio: “Deste [referindo-se a um córrego] as cachoeiras do Tajay ao NE e NNE 3 léguas” (LEMOS, 1.977, p. 210).

Arcipreste Paiva, em 1.862, bem antes dos filólogos indigenistas citados, dava à estrutura “já” do termo Itajaí a imagem-conceito de pedras arredondadas que aparecem sobre o rio: “A palavra Itajaí [grafada itajahy em 1.868] composta de três do idioma brasileiro [tupi-guarani] parece exprimir: pedra de configuração de calcanhar sobre o rio” (PAIVA, 2.003, p. 135).

O “a” é uma raiz de significado genérico, descrevendo sempre algo de forma arredondada que aparece. No contexto específico do rio, é um referencial às pedras. São estas as palavras de Montoya sobre este étimo do antigo Guarani: “A. Em composição, cabeça, fruta, semente de fruta nascida, inchaço, corpórea coisa, pedaço de ferro, entidade, etc” (1.876, p. 3, tradução nossa).

Na visita que fez a um salto nas imediações de Blumenau, Avê-Lallemant descreve a natureza de pedras emergentes, que complicavam a vida dos navegantes. O quadro descrito, com exceção de trechos de aparente calmaria, é uma constante em toda a bacia do grande rio:

Então começa o rio a bramir com mais violência. Saímos da mata para o leito do rio, entremeado de pedras negras, por entre as quais passa o Itajaí, sussurrando numa multidão de cachoeiras. Magnífico cenário silvestre da mata virgem que, estando nas sombreadas pedras da margem tranqüila, a gente não se cansa de contemplar!
Entretanto os canoeiros subiram o rio com a sua leve embarcação, não sem ficarem encharcados nas muitas ocasiões em que tiveram de vencer ruidosas cachoeiras (AVÊ-LALLEMANT, 1.953, p. 165).

Todas as últimas hipóteses, até agora levantadas sobre o significado do nome Itajaí, tem como variável o contexto geográfico do litoral, onde o rio vive seu ciclo adulto. Nesta fase de deposição aluvial, de equilíbrio, o pesquisador é levado ao inconsequente, pois, as características do rio, imperceptíveis, se transformam em terrenos de aluvião, onde o gradiente do rio é mínimo. Os milhões de metros cúbicos de areia retirada do rio e o constante assoreamento do porto de Itajaí revelam que diversos tipos de rochas são abundantes em todo o seu percurso. Esse fato é confirmado por Gustavo Konder:

A palavra ‘Itajahy’ vem do guarani: - Ita – jahy, rio onde há muitas pedras. De fato, no fundo do rio Itajaí existem montanhas de pedras redondas, roliças de muitos matizes e que atualmente são grandemente aproveitadas para as construções de concreto. Sei perfeitamente que, diversos intelectuais opinam de outro modo, [...] (KONDER, 1.971, p. 142).

No passado, limitando a ocupação indígena apenas ao litoral onde o rio Itajaí, em sua fase adulta não manifesta “de visu” o fenômeno das pedras que emergem, surgiram diversas versões sobre o seu significado. Hoje, com as recentes descobertas arqueológicas, sabemos que os rios chamados Itajaí eram os caminhos naturais nos deslocamentos indígenas e que todos eles, de sobejo, possuem em seus leitos o fenômeno das pedras que emergem. Os índios, muito pragmáticos em nomear os lugares, alertaram do perigo que essas pedras podiam oferecer a uma cultura, que dependia muito dos rios para se locomover e sobreviver.

Portanto, Itajaí é termo tupi-guarani e significa rio das pedras que emergem, em referência a uma realidade física constante, em grande parte dos quatro afluentes do rio Itajaí-Açu.

Fontes:

SILVEIRA JÚNIOR. ITAJAÍ. Editora Escalibur, 1972.

LINO JOÃO DELL´ANTONIO. Nomes Indígenas dos Municípios Catarinenses, Significado e Origem.

Pesquisa e Elaboração: Kika

Colaboração: Prof. Lino João Dell´Antonio - dellantonio@terra.com.br


RESGATE HISTÓRICO 02:

AS TERRAS DE DRUMMOND - UM ENGANO HISTÓRICO:

Registra a Biografia de Antônio Meneses de Vasconcelos Drummond, publicada em Paris, 1836, na “Biographie Universelle et Portative des Contemporais”:

“Nasceu no Rio de Janeiro em 21 de maio de 1794. Aos 15 anos terminara os seus estudos literários e conhecia a fundo a doutrina do célebre Smith, o mestre da Economia Política. Conhecia Kant e outros filósofos e falava quatro línguas vivas” (...) “Em 1810, portanto aos 16 anos, D.João VI conferia-lhe o hábito de Cristo”(...) ”Quando o primeiro grito de liberdade se fez ouvir na Província de Pernambuco, ele foi denunciado ao rei D.João VI como pertencente a um dos clubes de onde partira a centelha revolucionária” (...) “Entretanto, o governo entendeu de afastá-lo da capital e uma espécie de licença acompanhada de recomendação fê-lo partir para a Ilha de Santa Catarina. Ficou sete meses sob as vistas do Governador da Província” (...) ”de regresso à Capital, ele apresentou ao ministro Vilanova Portugal os seus vastos planos de melhoramentos e foi imediatamente despachado para pô-los em execução.”

Contudo, o próprio Drummond achou por “demais exagerada” a generosa Biografia feita pela publicação francesa; e através das “Anotações nº07” fez as seguintes retificações:

“Há aqui muita exageração. Alguns trabalhos se fizeram no Rio Itajaí, mas não houve tempo nem meios para os levar a cabo. Todavia, ali se construiu uma sumaca denominada São Domingos Lourenço, que foi a primeira embarcação daquele lote que passou a barra do rio Itajaí, carregada de feijão, milho e tabuado para o Rio de Janeiro. Do Itajaí, mandei a madeira para a obra do museu do Campo de Sant´Ana e mandei de presente, porque era cortada e serrada à minha custa.”

E prossegue a Biografia:

“Ele embarcou, portanto, de novo para Santa Catarina, venceu todos os obstáculos que lhe apareceram num país ainda selvagem, concebeu e executou a navegação do grande rio Itajaí, estabeleceu povoado sobre as duas margens, atravessou imensas florestas virgens, abriu caminhos, aproximando assim as grandes distâncias e conseguiu, enfim, animar, pela sua infatigável presença, uma região que parecia, ainda, no caos primitivo.”

Em 1920, essas “Anotações” acabaram por induzir Marcos Konder – então Prefeito do Município, no período entre 1915-1930 – a um engano histórico. Em sua “Pequena Pátria”, Marcos Konder atribui a Drummond, o título de Fundador de Itajaí.

No “Anuário de Itajaí para 1949”, registra Marcos Konder:

“Demonstramos pelo próprio testemunho escrito de Drummond nas “Anotações” feitas à sua biografia publicada em 1836, na “Biographie Universelle et Portative des Contemporains” que devemos admitir Drummond como o verdadeiro fundador de Itajaí e aceitar o ano de 1820 como a data mais provavelmente exata da fundação.”

Acompanhando esse raciocínio, foi erguido, em 1920, um Cruzeiro no Morro da Cruz, em homenagem ao Primeiro Centenário de Fundação da Cidade de Itajaí. Entretanto, para irritação de alguns e a indiferença de muitos, Documentos, posteriormente investigados, acabaram delimitando o papel de Drummond, nas terras de Itajaí; e reescreveram essa página da nossa História.

Em relação aos Documentos encontrados - e que desfizeram esse engano histórico - é interessante distinguir alguns conceitos iniciais.

O SISTEMA DE SESMARIA:

Revisitando alguns livros de História, lembramos que “Sesmaria foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção. O Estado, recém formado e sem capacidade para organizar a produção de alimentos; decide legar essa função a particulares.” O sistema surgiu em Portugal, durante o Séc.XIV, com a Lei da Sesmaria, de 1375; com o intuito de combater a crise econômica, agravada pela peste negra, em toda a Europa.

Com a conquista do território brasileiro, efetivada a partir de 1530, o Estado Português decidiu utilizar o Sistema Sesmarial, em terras do além-mar, com algumas adaptações.

A principal função do Sistema de Sesmaria é estimular a produção. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos estabelecidos; seu direito de posse poderia ser cassado. É na distribuição das terras que está a origem desse Sistema; e que acabou se convertendo em uma verdadeira política de povoamento estendido às Colônias Portuguesas.

A Coroa Portuguesa tomou possa do território brasileiro por direito de conquista. Por isso, todas as terras descobertaspassaram a ser consideradas terras virgens, sem qualquer senhorio ou cultivo anterior. A Carta patente dada a Martim Afonso de Souza é, unanimemente considerada como o primeiro documento sobre Sesmaria no Brasil.

Nas terras de conquista, no entanto, as Sesmarias incorporaram uma exigência adicional: o pagamento do dízimo à Ordem de Cristo; que, na verdade, significava pagamento à própria Coroa. Mais do que um imposto cobrado, o dízimo servia como justificativa do processo de conquista. Era um ônus sobre a produção e incidia sobre a agricultura e pecuária coloniais. A bem da verdade, era um tributo eclesiástico que deveria ser pago até por quem não era proprietário de terras; já que, como cristão, todos os produtores deveriam contribuir para a propagação da fé.

O Sistema de Sesmaria perdurou no Brasil até 17 de julho de 1822, quando a “Resolução 76” atribuída a José Bonifácio de Andrade e Silva, pôs fim a esse regime de apropriação de terras. A partir daí, a posse passou a ocorrer livremente no país, estendo-se até a promulgação da Lei de Terras, que reconheceu as Sesmarias antigas, ratificando formalmente o regime das posses; e institui a compra como única forma de obtenção de terras.

AS SESMARIAS DE EL-REI:

Foi através de uma Sesmaria que Antônio Meneses Vasconcelos de Drummond chegou às terras do Itajaí; sem imaginar o tamanho da polêmica que criaria, alguns séculos mais tarde, em relação à localização de suas terras. Até certo momento histórico, a grande maioria acreditou que Drummond havia aportado junto às terras do Itajaí Açu. No entanto, alguns documentos se encarregaram de evidenciar o contrário.

De acordo com o livro “Itajaí”, de Silveira Júnior, com pesquisa histórica do Prof. José Ferreira da Silva e coordenação geral de Gil Moraes, lançado em 1972 pela Escalibur, “o ministro Tomás Antônio de Vilanova Portugal despachou Drummond para Santa Catarina com um ofício dirigido ao governador da Província João Vieira Tovar e Albuquerque, que dizia o seguinte:”

“EL- Rei Nosso Senhor é servido que vmcê vá se apresentar a João Vieira Tovar de Albuquerque, Governador da Capitania da Ilha de Santa Catarina, para tomar posse de umas terras para o mesmo Senhor, junto ao Rio “Tajaí-Mirim”, a fim de nelas formar um estabelecimento, segundo a direção que lhe há de dar o mesmo governador, na forma das instruções que serão a este dadas por esta Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. O que participo a Vmcê passo em 5 de fevereiro de 1820. (a) Tomás Antônio Vilanova Portugal. – Senhor Antônio de Meneses Vasconcelos Drummond.”

Em carta datada de 19 de março de 1820, Drummond responde ao Ministro Vilanova Portugal, dizendo “que estava à espera das disposições do governador para a medição e posse das terras do TAJAÍ MIRIM, que me diz será logo o tempo permitir.”

Estas duas referências parecem deixar claro que as terras que Drummond desmatou eram no Itajaí-Mirim; e não dizem respeito àquelas onde se assenta, atualmente, (ou se assentava em 1820) o Município de Itajaí. Fica evidente, contudo, que Drummond estabeleceu alguma forma de colonização às margens do Itajaí-Mirim, como ele mesmo registra em sua biografia, dizendo que “estabeleceu povoados sobre as duas margens do rio.”
Outra referência registra que Drummond foi enviado a Santa Catarina com a missão de encarregado dos Reais Cortes de Madeira da região. Ele pretenderia fundar uma colônia que se chamaria São Thomaz da Villanova, formada por alguns ex-soldados e trabalhadores da região – e que se acredita serem remanescentes das “armações de baleia” transferidas da Ilha de Santa Catarina para a Enseada de Itapocorói, por conta da invasão espanhola. Essa colônia ficaria localizada às margens do Rio Itajaí Mirim, na atual localidade de Itaipava.





“Mappa da Medição e Demarcação Militar de duas Sesmarias de huma légua quadrada cada huma no Rio Itajahimerim pertencentes a El Rey N.S. procedida em conseqüência do Regio Aviso de 4 de Fevereiro de 1820.”

No entanto, existem informações de que essas terras não eram totalmente devolutas, quando Drummond se apossou delas. Existem depoimentos de que, em 1810, já havia famílias morando às margens do Rio Itajaí Mirim, nas imediações da Itaipava; quando Drummond aportou por lá.

Só para lembrar, “terras devolutas são as terras públicas não aplicadas ao uso comum nem ao uso especial”; ou seja, são as terras que “dada a origem pública da propriedade fundiária no Brasil, pertencem ao Estado – sem estarem aplicadas a qualquer uso público – por que nem foram trespassadas do Poder Público aos particulares; ou, se foram, caíram em comisso; nem se integraram no domínio privado por algum título legítimo. Sua origem: com a descoberta do Brasil, todo território passou a integrar o domínio da Coroa Portuguesa. Dessas terras, largos tratos foram trespassados aos colonizadores; mediante as chamadas concessões de sesmaria e cartas de data; com a obrigação dos donatários de medi-las, demarcá-las e cultivá-las, sob pena de comisso – reversão das terras à Coroa).”

Ao que parece, de acordo com o Aviso Real de 05/02/1820, houve um propósito específico – uma intenção, o animus de colonizar essas terras -; uma vez que as ordens dadas a Drummond era de que se apossasse delas em nome da Coroa, a fim de ali formar um estabelecimento, uma Colônia. Além disso, em virtude da péssima localização dessas terras, o que se supõe é que outras melhor localizadas – como aquelas que margeiam a Foz e onde, hoje, localizam-se Itajaí e Navegantes - já tivessem dono; e portanto, já estivessem ocupadas.

Mais do que isso, segundo consta o “Livro 2 do Registro de Sesmaria, no Departamento de Terras e Colonizações”, em Florianópolis; já em 1815, Francisco Lourenço da Costa, residente em Desterro, obteve uma Sesmaria às margens do Itajaí; alegando que o requerente “ali já tinha um armazém para recolher os efeitos que ali compra para o giro do seu negócio”. Dentro desse contexto, é difícil aceitar que alguém tenha instalado um armazém em terras ermas e desabitadas.Vale lembrar que tudo isso aconteceu em 1815; cinco anos, portanto, antes de Drummond aportar pelas terras do Itajaí.

O mapa reproduzido abaixo é a mais antiga Planta da Foz do rio Itajaí Açu que se tem notícia; datada de Itapocorói – atual Município de Penha – em 30 de abril de 1796.



Por esse mapa é possível perceber que, já no Século XVIII, as terras litorâneas que compreendem a faixa entre a Foz do Rio Itajaí até o Rio Gravatá eram tituladas a particulares.





Em busca de outras provas que demonstrem a verdadeira localização das terras de Drummond, a “Anotação nº.06” feita à sua Biografia revela informação importante, e não menos curiosa:

“Da vargem dos pinheiros se tirou o mastro grande para a nau D.Sebastião, que foi construída no Rio de Janeiro” (Anotação nº. 6 à biografia de Drummond, apud Gil Miranda)

Partindo do princípio que Drummond não extrairia madeira de terras alheias; e analisando o Mapa das Sesmarias do Itajaí Mirim, não é difícil localizar essa tal “vargem dos pinheiros”.





Como se vê, a segunda Sesmaria – que fica à margem esquerda do Itajaí-Mirim – está exatamente às margens do Rio Espinheiro, ou seja, na vargem do Espinheiro.

Considerando que vargem ou várzea, segundo os dicionários, são “terras que margeiam rios e ribeirões”; e que a pronúncia entre pinheiro e espinheiro é de fácil confusão para quem ouve e repete; não restam dúvidas de que Drummond se apossou das Sesmarias de El-Rei, no Itajaí-Mirim; onde construiu uma sumaca (barco pequeno de dois mastros), e de lá também extraiu a madeira para o mastro grande da Nau “D.Sebastião”, construída no Rio de Janeiro.

Embora os projetos de El-Rei fossem promissores em relação a Drummond, ele não permaneceu muito tempo em Santa Catarina. Da primeira vez, foram sete meses; e da segunda, pouco mais de um ano. Daí sua afirmação, quando faz uma emenda à sua Biografia:

"Alguns trabalhos se fizeram no Rio Itajaí, mas não houve tempo nem meios para os levar a cabo. Todavia, ali se construiu uma sumaca denominada São Domingos Lourenço, que foi a primeira embarcação daquele lote que passou a barra do rio Itajaí, carregada de feijão, milho e tabuado para o Rio de Janeiro. Do Itajaí, mandei a madeira para a obra do museu do Campo de Sant´Ana e mandei de presente, porque era cortada e serrada à minha custa.”

Apesar dessa vaga e repetida informação – “na margem do Itajaí” ou “no Rio Itajaí” – o que os registros nos mostram, hoje, é que este Rio era o Itajaí Mirim e não o Itajaí Açu, como outrora se pensou; e que de certa forma, colocou Drummond na posição de fundador de Itajaí, em um clássico e histórico engano.

Fontes:
JUNIOR, Silveira. ITAJAÍ. Edição Escalibur; 1972.
LENZI, Rogério Marcos. ITAJAÍ, Outras Histórias. Fundação Genésio Miranda Lins; 2002.

Pesquisa e Elaboração: Kika

RESGATE HISTÓRICO 01:

HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO HUMANA EM SANTA CATARINA:
A REGIÃO SUL:

Nestes mais de 500 anos de História, o Brasil produziu um tipo humano muito peculiar, formador a partir do caldo étnico entre índios, brancos e negros escravos.

Segundo Darcy Ribeiro, o povo brasileiro surgiu “(...) da confluência do entrechoque e do caldeamento do invasor português com os índios e com os negros africanos (...)”

E continua: “(...) Nessa confluência que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas, se enfrentam e se fundem, para dar lugar a um povo novo. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçadas, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais dela oriundos.”

Assim, essa nova etnia, essa raça mestiça formada a partir das matrizes principais – indígena; branca e negra – foi-se unificando, na língua e nos costumes. Era o povo brasileiro que surgia; enquanto assimilava, transformava ou criava novas expressões culturais e, consequentemente, uma cultura própria, única e verdadeiramente autêntica.

Em virtude de inúmeras circunstâncias, sejam elas históricas ou por características particulares de localização ou colonização, a Região Sul do Brasil transformou-se em um caldeirão de muitas etnias. Inúmeras raças contribuíram para a formação étnico-cultural do povo do Sul. Alemães, italianos, açorianos, poloneses, espanhóis, ucranianos e japoneses mesclaram-se ao tradicional tripé étnico – índios, brancos e negros – para dar forma e substância ao moderno habitante do Sul.

Inúmeros são os diferenciais que fazem a História do Sul, um dos muitos Brasis que compõem o cenário cultural brasileiro. Uma delas é a estratégica localização geográfica e os objetivos específicos que levaram a uma verdadeira diáspora migratória para colonizar a região.

Na verdade, o Sul foi a única região brasileira onde existiu uma fronteira física, concreta, entre Portugal e Espanha. Em Santa Catarina, encontra-se o principal marco do Tratado de Tordesilhas; e a disputa entre esses dois países pela posse da Região forçou novas estratégias de colonização, proporcionando uma intensa movimentação étnica.

O TRATADO DE TORDESILHAS:

Em meados do século XV, o mundo civilizado conhecia apenas a Europa e o mar. Isso, no entanto, não impedia que muita gente já estivesse de olho em terras ainda não descobertas. E foi um certo navegador genovês, a serviço da Espanha que, quando chegou à América, em 1492, trouxe na bagagem uma série de problemas a Portugal.

E, 1840, Portugal e Espanha haviam assinado o Tratado de Toledo onde “águas e terras ao sul das Canárias seriam exclusivas da exploração portuguesa”. Agora, a Espanha se preocupava em garantir a posse dessas terras, também ao sul das Canárias. Para tanto, o Rei espanhol dirigiu-se ao Papa – autoridade máxima no Ocidente da Época. Alexandre VI, em 1493, através da Bula Inter Coetera, estabeleceu que a linha demarcatória passaria 100 léguas (cerca de 550 quilômetros) a oeste das Ilhas do Cabo Verde. Assim, todas as terras a oeste da linha – e isso dizia respeito à América – pertenciam à Espanha; a leste – a África – pertenceriam a Portugal.

Inconformados, mais uma vez os portugueses recorreram aos espanhóis. Foi então que, em 07 de junho de 1494, Dom João II, Rei de Portugal e Fernando e Isabel de Aragão e Castela, os Reis católicos da Espanha, sedentos por novas terras, assinaram o Tratado de Tordesilhas.

Nessa briga de limites e territórios, o Brasil meridional participou, desde meados do Século XV, dos conflitos latentes que se avizinhavam entre Portugal e Espanha. Com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, o sul do Brasil embarcou, de forma marcante com Santa Catarina e Rio Grande do Sul, no contexto da geopolítica ibero-americana e, consequentemente, na geopolítica mundial.

Pela estranha decisão das duas grandes potências mundiais daquele final de século, a linha imaginária – mas muito real na prática – entra no Brasil, ao Norte, pela cidade de Belém do Pará; e sai, mar afora, pelo Porto de Laguna, em Santa Catarina.

A OCUPAÇÃO PORTUGUESA DA COSTA CATARINENSE:

Conforme nos mostra Edison d’Ávila, em sua obra “Itajaí – O Começo da História”, em 1532, quando o Brasil Colonial foi dividido em Capitanias Hereditárias, as terras catarinenses foram incluídas na Capitania de Sant’Ana, doada a Pero Lopes de Souza.

Partindo daí, a ocupação portuguesa e colonização dessa região, a partir do Século XVII, deu-se por conta do interesse da Coroa Portuguesa na exploração de possíveis minas de ouro; e da disputa com a Espanha, que ainda se julgava proprietária das terras catarinenses.

Durante o Século XVII, os paulistas fundaram os primeiros núcleos populacionais do litoral catarinense: São Francisco do Sul (1658); Nossa Senhora do Desterro (1672) e Laguna (1684).

AS TERRAS DO ITAJAHY:

A ocupação das terras do "Rio Itajahy", pelo homem branco, segundo Edson D’Ávila, se deu por iniciativa particular de João Dias Arzão, explorador paulista que, há algum tempo, vinha procurando minas de ouro e outros metais preciosos, pelo interior do Brasil. Em 1658, João Dias Arzão requereu e obteve uma Sesmaria – um lote colonial – às margens do Rio Itajaí-Açu, bem em frente à foz do Rio Itajaí Mirim; onde fixou moradia. Sua intenção, no entanto, não era a de fundar um povoado; queria apenas correr atrás de ouro, empreitada essa que não teve sucesso.

OS PRIMEIROS DONOS DA TERRA:

OS SAMBAQUIANOS:

A palavra sambaqui - derivada de samba ou tambá = concha, ostra; e qui = monte – é de origem indígena e significa cemitério.

Também conhecidos como casqueiros, concheiros ou berbigueiros, um sambaqui é um sítio arqueológico que, em sua origem guarani, significa monte de conchas.

Durante centenas de milhares de anos, os primitivos habitantes, naturalmente dependentes da coleta de frutos do mar; iam acumulando, em local apropriado, os restos e cascas de moluscos. Estes montes iam aumentando, a cada geração, e passaram a ser um local bastante apropriado para construir assentamentos.

Os sambaquianos, povos construtores de sambaquis, consumiam moluscos, amontoavam as cascas e moravam sobre elas; criando, assim, próximo ao mar, um local alto e seco. Nos sambaquis é possível identificar inúmeros vestígios da ocupação humana, como sepultamentos, instrumentos líticos, fogueiras, restos de cozinha com ossos de peixes, aves, mamíferos; além de diversos adornos.

De acordo com o historiador Cristiano S.Amorim, no início dos anos 70, noticiou-se com muita surpresa, a existência de um sambaqui na cidade de Itajaí, sob o título de “Cemitério de Índios em Cabeçudas”.

Diz o Boletim Oficial da Prefeitura Municipal de Itajaí n.06, de 03 de dezembro de 1970: “Observamos que o índio de Cabeçudas sepultava seus defuntos na areia, em muito pouca profundidade, sob o chão (...) da própria casa (...). Os sepultamentos sofreram grandes perturbações; primeiramente, por parte dos próprios índios que continuavam a remexer o sol, fazendo novos sepultamentos, em épocas mais recentes (...). Há 50 anos passados, moradores brancos já encontraram ossadas no local.”

Após o trabalho de pesquisa arqueológica, foram retirados do local 56 esqueletos; 30 litros de seixo; 25 litros de conchas; 20 litros de ossadas de peixes e mamíferos; 05 litros de cacos de cerâmica indígena; 04 machados de pedra polida e 20 pontas de flechas; durante as reformas para ampliação do antigo Iate Clube Cabeçudas.


Outros dois sítios arqueológicos foram descobertos, por acaso, no Bairro Itaipava, em 1988; quando o proprietário trabalhava nos fundos de sua olaria. Estes dois sambaquis foram construídos a cerca de 100 metros do Rio Itajaí Mirim; o que mais uma vez reforça a cultura do Homem do Sambaqui, ao construir assentamentos próximos a fontes de água doce ou salgada. Parte desse material resgatado foi transferido para Florianópolis. A outra parte encontra-se exposta no Parque da Santur, em Balneário Camboriú.

Segundo o IPHAN (Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) existem 19 sítios arqueológicos registrado no município de Itajaí; sem, contudo, ter-se o conhecimento de qualquer tipo de pesquisa relacionada.

Também no município de Balneário Camboriú, mais precisamente na Praia de Laranjeiras, foi descoberto grande sítio arqueológico, cujos objetos também se encontram expostos no Parque da Santur. De acordo com o historiador Isaque de Borba Correa, dentre os vários esqueletos encontrados, registrou-se a rara presença de duas índias grávidas, cujos fetos são perfeitamente perceptíveis. Segundo historiadores, são raros exemplares de apenas quatro existentes no mundo.

OS INDÍGENAS:

Quando os primeiros colonizadores chegaram às terras junto a Foz do Rio Itajaí Açú, a presença indígena ainda era marcante, em dois grupos distintos: os Botocudos ou Caigangues, do Grupo Tapuia - hoje conhecido como Xokleng.

ANTÔNIO MENEZES DE VASCONCELLOS DRUMMOND - O PIONEIRO:




A inexistência de qualquer obra e as facilidades econômicas em decorrência da exploração da madeira parece ter sido os fatores que alavancaram o interesse do jovem diplomata carioca Antônio Menezes Vasconcellos de Drummond para solicitar, junto ao Rei, a fundação de uma colônia nas terras de Itajaí.

Assim, por Aviso Real de 05 de janeiro de 1820, o Rei Dom João VI autorizou a fundação de uma colônia às margens do Rio Itajaí Mirim; mais precisamente na região onde hoje é a Itaipava. Com a ajuda de ex-soldados e alguns trabalhadores a região, a idéia de Drummond era construir alojamentos, montar uma serraria manual e cultivar plantações. Entretanto, em 26 de janeiro de 1821, o jovem colonizador recebe ordens para retornar ao Rio de Janeiro, pois o Rei dera por acabada sua missão; frustrando o projeto da instalação da primeira colônia nas terras do Itajaí; e retirando de Drummond, o título de fundador da cidade.

 AGOSTINHO ALVES RAMOS - O FUNDADOR:

Partindo do princípio que o fundador nem sempre é o pioneiro, a glória de receber o título de fundador de Itajaí coube a outro nome: Agostinho Alves Ramos.

Entende-se por fundador aquele que toma para si o encargo de liderar o novo povoado que vai surgindo; organizando e fazendo com que prospere em torno de interesses comuns. Foi exatamente isso que aconteceu com Agostinho Alves Ramos, em meados de 1823, quando aportou em Itajaí; oriundo do Rio de Janeiro.

Dentro desse contexto, embora tudo indique que Vasconcellos Drummond tenha sido o primeiro morador das terras do Itajaí, ele não tinha pretensões de organizar um povoado. Por isso, não passou de um pioneiro.

De início, Agostinho adquiriu terras de José Coelho da Rocha e deu inicio à construção de sua casa – que serviu também para abrigar seu comércio – localizada onde hoje é a esquina da Rua Hercílio Luz com a Rua Lauro Muller.

Com intenção de criar um povoado, solicitou requerimento ao Bispo do Rio de Janeiro para a criação de um Curato. Com a criação do Curato do Santíssimo Sacramento, em 31 de março de 1824, estava fundada a cidade de Itajaí.





  
Pesquisa e Elaboração: Kika.

Fontes:

D’ÁVILA, Edison. Itajaí – O Começo da História. 2ª.edição. Itajaí (SC): Fundação Genésio Miranda Lins. Museu Histórico e Arquivo Público de Itajaí; 2001.

FUNDAÇÃO GENÉSIO MIRANDA LINS. Itajaí – Outras Histórias. Itajaí (SC): Fundação Genésio Miranda Lins; 2008.

AMORIM, Cristiano Schauffert de Amorim. Carijós e Botocudos nas terras do rio Itajaí. In: Itajaí – Outras Histórias. Itajaí (SC): Fundação Genésio Miranda Lins; 2008.